domingo, 14 de outubro de 2012

Viajando nos relacionamentos com Raulzito

Há muitas músicas que ouvimos e cantamos sem prestar a devida atenção à letra. Tem música que é gostosa de ouvir por si só e a letra nem importa muito. Tem música que definitivamente não precisa de letra.
Letra e música - as duas coisas mexem comigo. Juntas ou separadas. Também gosto de ler as letras como se fossem poemas. Pra mim são realmente poemas. Talvez por isso eu ame tanto o Chico Buarque, embora muitas vezes escute que as músicas dele são chatas, que a voz dele é ruim. Eu não acho nada disso, amo tudo, mas tenho certeza de que essas pessoas não leram suas letras como se fossem poemas. Ah, mas o Chico merece um futuro post só pra ele. Hoje quero falar de duas músicas do Raul Seixas. Gosto dessas músicas no todo, mas as letras são o que elas têm de mais instigante. Vale se despir dos preconceitos e prestar atenção.
Uma delas é "Medo da Chuva". No geral eu entendo que ela fala de uma separação. Mas muitos detalhes e palavras me indicam que é mais que isso. O sentimento de se sentir preso e de não ter liberdade permeia todo o texto. Ele usa palavras e expressões como "escravo", "pedras imóveis" e "no mesmo lugar". Por outro lado, a chuva, de que ele tinha medo, representa a liberdade. O medo de se libertar termina porque ele percebe que "a chuva voltando pra terra traz coisas do ar." Isso é lindo! A água evapora, forma as nuvens e cai em forma de chuva de novo, só que volta diferente, traz coisas novas, coisas do ar. A água tem um ciclo, uma dinâmica, enquanto as pedras "choram sozinhas no mesmo lugar". Pra mim essa representação da chuva como liberdade e das pedras como escravidão dentro de um relacionamento é simplesmente magnífica.
Em outras passagens da letra acho que o Raul é bem mais direto, mostrando que com a "prisão" do relacionamento ele está deixando de viver sua liberdade de escolhas amorosas: "Como as pedras imóveis na praia eu fico ao seu lado sem saber dos amores que a vida me trouxe e eu não pude viver". E acho que ele vai mais longe quando diz: "porque quando eu jurei meu amor eu traí a mim mesmo". É uma frase bem forte para se pensar. Quando você "se prende" em um relacionamento você tolhe, reprime os desejos que tem por outras pessoas, você se boicota, você se trai. Você se escraviza, você tira sua própria liberdade de escolher a quem amar.
E o pensamento de Raulzito não era nada egoísta. É o que fica explícito em outra música: "A maçã". O mais bonito dessa música, pra mim, é que a liberdade no relacionamento é resultado justamente do amor: "Se eu te amo e tu me amas, e outro vem quando tu chamas, como poderei te condenar?" Isso não é lindo? ;-)
Tenho até dificuldade de citar as partes da letra que eu mais gosto. Os versos que vêm logo depois desses aí de cima também são de arrepiar: "Infinita tua beleza, como podes ficar presa que nem santa no altar?" A beleza infinita eu não entendo só no sentido puramente estético, mas a beleza infinita de ser mulher. Essa beleza infinita não pode ser restringida, não pode ficar presa, é impossível prender algo infinito. A mulher não deve ser obrigada a ficar presa "que nem santa no altar", ou seja, reprimir seus desejos, como muitas vezes é esperado de nós pela sociedade (machista).
Também adoro quando ele fala do ciúme, esse sentimento que achamos tão normal em um relacionamento amoroso. Raul admite que tem ciúme, mas que esse sentimento não passa de vaidade, sentimento de posse e que nada tem a ver com o amor que ambos sentem um pelo outro: "Amor só dura em liberdade, o ciúme é só vaidade, sofro mas eu vou te libertar". Na verdade pra mim essa parte ficaria ainda melhor se ele dissesse: "sofro, mas eu vou me libertar". Ele não tem que libertar ela, mas se libertar do ciúme - ficaria mais bonito assim (ridícula, quem sou eu pra mudar a letra do Raul! rsrsrs).
Pra finalizar o comentário dessa música acho que Raul (um adendo: acho que essa música tem parceria com o Paulo Coelho, mas não tenho certeza) expõe bem explicitamente que é a favor de relacionamentos abertos, que duas pessoas não se bastam para se relacionar sexualmente apesar de se amarem de verdade.
"Se esse amor ficar entre nós dois, vai ser tão pobre amor, vai se gastar..."
"Se eu te amo e tu me amas, um amor a dois profana o amor de todos os mortais"
"Mas compreendi que além de dois existem mais..."

Muitas letras de música expressam o que eu penso ou sinto... ou pelo menos eu as interpreto de acordo com meus pensamentos viajantes!
Até a próxima viagem ;-)

4 comentários:

  1. Debs,

    Lindo o que vc escreveu. Aprendi a gostar de Raul com meu pai e ele é realmente um poeta! Essas músicas que vc falou são mesmo lindas e nunca tinha parado pra interpretar desse jeito! A minha favorita do Raul é "Ouro de Tolo", acho a letra fantástica.
    Beijo, adorei seu texto!

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  2. Obrigada, Rafa!
    Não sabia que o tio Vicente é fã dele. Toca Raul! rsrs
    "Ouro de Tolo" é realmente fantástica.
    Beijos!

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  3. Debs, excelente sua análise. Não escutei as musicas (vou baixá-la daqui a pouco...rsrs), mas li as letras e são fantásticas! E todas essas 2 falam de relacionamentos de forma bem clara: amor de verdade é liberdade!!
    Na 1a. Música ele fala do desastre que é o amor romântico, essa praga...rsrs.
    Já a 2a. Musica ele parece que se "libertou" do amor romântico e já consegue falar sobre o poliamor. Até parece que ele leu Regina Navarro antes de compô-la... rsrs!
    E isso a decadas atrás! Muito a frente de seu tempo. Típico de gênio...
    Gostaria de falar mais algo a respeito, mas deixo pra depois...rsrs
    Bjs!!!

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  4. O Raul é muito f@d@! Gosto dele porque ele é muito crítico. A música que minha amiga acima citou, "Ouro de tolo", também é fantástica. Recomendo muito que conheça a obra dele!
    E essas músicas são muito Regina Navarro mesmo! rs Eu nem tinha começado a ler o livro quando resolvi ler as letras com atenção... e nem lembro como conectei as duas, mas acho que elas se complementam perfeitamente!

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